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Trabalho mediado por plataforma: autonomia ou precariedade?
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O Instituto Trabalho Digno tem a satisfação de lançar hoje a edição da Revista Laborare que reúne artigos sobre trabalho para empresas que atuam utilizando plataformas digitais. Um tema central. Afinal, como foi possível dimensionar durante a pandemia, é difícil viver hoje sem recorrer a esses serviços.
As grandes empresas que os oferecem não os inventaram, por óbvio. Mas inauguraram, de certa forma, um modo de exploração ainda mais radical da força de trabalho, a ponto de legitimarem o uso do neologismo uberização do trabalho como sinônimo de precarização. A exploração fora dos parâmetros constitucionais se dá sob o disfarce do empreendedorismo, com um discurso a tal ponto sedutor que muitas trabalhadoras e muitos trabalhadores nessas atividades acabam, sinceramente, aderindo à falsa ideia de que seu trabalho é autônomo.
Os artigos aqui reunidos revelam a face nada oculta dessa exploração: jornadas extensas, baixas remunerações, adoecimento, precariedade das condições de trabalho e, por consequência, de vida. Convocam a pensar criticamente a necessidade de reconhecer direitos trabalhistas. O mínimo de proteção social a essa parcela importante da classe trabalhadora.
Falar do trabalho uberizado é tratar da forma atual de exploração do trabalho pelo capital, dessa quadra perversa da história. É simbólico que tal modo de exploração seja realizado por grandes empresas e que tenha revolucionado a forma como tais serviços são oferecidos. Mais simbólico, ainda, é o uso da tecnologia para acentuar a extração de mais-valia, em lugar de tornar a vida melhor para quem depende do trabalho para sobreviver.
Que haja tanta discussão acerca de algo simples: a necessidade de reconhecer o vínculo de emprego e, portanto, a integralidade dos direitos trabalhistas e previdenciários a motoristas e entregadores, é sintoma de alienação. E, em certa medida, da insistência no uso do direito para manter formas cada vez mais agudas de opressão. Mas o Direito é também instrumento para tensionar e alterar condições de existência que promovem sofrimento, como acontece com o trabalho uberizado. Os artigos aqui reunidos demonstram essa potência.
Neste número da Laborare apresentamos o Dossiê “O trabalho em plataformas digitais no Brasil”, sob a coordenação especial de Ricardo Festi, Bruna de Carvalho, Cícero Muniz e Raphael Lapa, todos pesquisadores e pesquisadora vinculados à Universidade de Brasília.
Abrimos esta edição com dois artigos sobre segurança e saúde no trabalho. O primeiro, assinado pelo trio de auditores-fiscais do trabalho Ana Luiza Horcades, Larissa Abreu e Felipe Wittich, trata das questões formais e técnicas exigidas dos empregadores no contexto da pandemia da Covid-19. Em análise técnica e legal, defendem a obrigatoriedade da inclusão das medidas de prevenção relativas ao novo coronavírus nos programas de saúde e segurança no trabalho desenvolvidos nas organizações, em especial no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e no Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO).
O segundo, que promove uma análise ergonômica da pintura de fachadas com o uso do balancim individual elétrico, é de autoria de Matheus Caetano, Alessandra Tessaro, Liliane Gomes, Flávia de Mattos, Jorge Nunes e Jorge Bandeira. A partir da demonstração dos pontos que requerem atenção e medidas diferentes dos equipamentos em termos de Ergonomia, listam propostas de melhorias e diminuição do risco ao trabalhador da construção.
No texto que inaugura o dossiê, Ricardo Festi entrevista a liderança Abel Santos, que discorre sobre a luta dos entregadores de aplicativos no Distrito Federal, em diferentes oportunidades e momentos, e a partir do discurso que defende a importância da mobilização e atuação coletiva para a efetiva defesa de direitos e melhores condições de trabalho para a categoria.
Em seguida, a pesquisa desenvolvida por Helena Martins, Jonas Valente, Marina Polo, Mirele Rodrigues e Raissa Pacheco aponta que a mediação das plataformas viabiliza aprofundamento da subsunção do trabalho intelectual e reduz a autonomia do trabalhador mesmo que sob um discurso de independência destes na execução das tarefas.
Atentos à discussão entre a categorização dos trabalhadores como autônomos ou empregados, Diogo Torres, João Magalhães, Silvia Gomes e Vanessa de Souza focam no exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi. Analisam o perfil majoritário dos entregadores quanto às horas semanais trabalhadas, remuneração percebida, repasse dos riscos da atividade, aplicação de bloqueios ou punições e percepção sobre o controle da plataforma e da caracterização como empregado.
Sob a perspectiva do salário por peça, Laura Gontijo estuda o trabalho em plataformas digitais. A autora ressalta a importância da forma de remuneração para compreender a disposição dos trabalhadores em perfazer longas jornadas e suportar precárias condições laborais.
A precarização do trabalho na era digital também é objeto de reflexão de Kethury dos Santos, que denuncia as condições laborais dos entregadores por aplicativo no Distrito Federal. A pesquisa destaca a predominância masculina, jovem e periférica em ocupações precárias, e indica a persistência de desigualdades sociais e raciais.
Ao realizar uma “entrega destinada ao Poder Legislativo”, Aline Soares observa de que modo o pleito da categoria dos entregadores por aplicativo e as respectivas condições de trabalho foram tratadas durante a pandemia de Covid-19, em termos normativos. Entende que a organização coletiva exerce importante papel de pressionar o poder público por direitos e garantias básicas.
A partir de uma abordagem relativa às debilidades da uberização do trabalho de a subordinação do novo sujeito neoliberal, Thayuany Rodrigues apresenta resultados de pesquisa empírica sobre a experiência dos entregadores por aplicativo, que revela um quadro composto por discriminação, insegurança e riscos à saúde.
O estudo de Pedro Borges identifica a relevância dos espaços coletivos de descanso e espera de entregadores por aplicativos (points) para a mobilização e construção de consciência de classe.
Por último, com o intuito de afastar discursos infundados acerca do autogerenciamento no trabalho em plataformas digitais, Sara de Araujo observa que a tecnologia pode ser utilizada como ferramenta na manutenção do controle laboral, na medida em que permitem o controle da produtividade, ocultam a imagem patronal, desvinculam o indivíduo do processo de trabalho e investem na opacidade de dados relevantes sobre atividades exercidas.
Mais do que saber, é preciso pensar criticamente o tema e enfrentá-lo na prática da atividade social, acadêmica e jurídica, criando discursos que honrem toda a história de construção dos direitos sociais. Esse é o convite que a mais nova edição da Laborare nos faz.
Boa leitura!
Title: Trabalho mediado por plataforma: autonomia ou precariedade?
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O Instituto Trabalho Digno tem a satisfação de lançar hoje a edição da Revista Laborare que reúne artigos sobre trabalho para empresas que atuam utilizando plataformas digitais.
Um tema central.
Afinal, como foi possível dimensionar durante a pandemia, é difícil viver hoje sem recorrer a esses serviços.
As grandes empresas que os oferecem não os inventaram, por óbvio.
Mas inauguraram, de certa forma, um modo de exploração ainda mais radical da força de trabalho, a ponto de legitimarem o uso do neologismo uberização do trabalho como sinônimo de precarização.
A exploração fora dos parâmetros constitucionais se dá sob o disfarce do empreendedorismo, com um discurso a tal ponto sedutor que muitas trabalhadoras e muitos trabalhadores nessas atividades acabam, sinceramente, aderindo à falsa ideia de que seu trabalho é autônomo.
Os artigos aqui reunidos revelam a face nada oculta dessa exploração: jornadas extensas, baixas remunerações, adoecimento, precariedade das condições de trabalho e, por consequência, de vida.
Convocam a pensar criticamente a necessidade de reconhecer direitos trabalhistas.
O mínimo de proteção social a essa parcela importante da classe trabalhadora.
Falar do trabalho uberizado é tratar da forma atual de exploração do trabalho pelo capital, dessa quadra perversa da história.
É simbólico que tal modo de exploração seja realizado por grandes empresas e que tenha revolucionado a forma como tais serviços são oferecidos.
Mais simbólico, ainda, é o uso da tecnologia para acentuar a extração de mais-valia, em lugar de tornar a vida melhor para quem depende do trabalho para sobreviver.
Que haja tanta discussão acerca de algo simples: a necessidade de reconhecer o vínculo de emprego e, portanto, a integralidade dos direitos trabalhistas e previdenciários a motoristas e entregadores, é sintoma de alienação.
E, em certa medida, da insistência no uso do direito para manter formas cada vez mais agudas de opressão.
Mas o Direito é também instrumento para tensionar e alterar condições de existência que promovem sofrimento, como acontece com o trabalho uberizado.
Os artigos aqui reunidos demonstram essa potência.
Neste número da Laborare apresentamos o Dossiê “O trabalho em plataformas digitais no Brasil”, sob a coordenação especial de Ricardo Festi, Bruna de Carvalho, Cícero Muniz e Raphael Lapa, todos pesquisadores e pesquisadora vinculados à Universidade de Brasília.
Abrimos esta edição com dois artigos sobre segurança e saúde no trabalho.
O primeiro, assinado pelo trio de auditores-fiscais do trabalho Ana Luiza Horcades, Larissa Abreu e Felipe Wittich, trata das questões formais e técnicas exigidas dos empregadores no contexto da pandemia da Covid-19.
Em análise técnica e legal, defendem a obrigatoriedade da inclusão das medidas de prevenção relativas ao novo coronavírus nos programas de saúde e segurança no trabalho desenvolvidos nas organizações, em especial no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e no Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO).
O segundo, que promove uma análise ergonômica da pintura de fachadas com o uso do balancim individual elétrico, é de autoria de Matheus Caetano, Alessandra Tessaro, Liliane Gomes, Flávia de Mattos, Jorge Nunes e Jorge Bandeira.
A partir da demonstração dos pontos que requerem atenção e medidas diferentes dos equipamentos em termos de Ergonomia, listam propostas de melhorias e diminuição do risco ao trabalhador da construção.
No texto que inaugura o dossiê, Ricardo Festi entrevista a liderança Abel Santos, que discorre sobre a luta dos entregadores de aplicativos no Distrito Federal, em diferentes oportunidades e momentos, e a partir do discurso que defende a importância da mobilização e atuação coletiva para a efetiva defesa de direitos e melhores condições de trabalho para a categoria.
Em seguida, a pesquisa desenvolvida por Helena Martins, Jonas Valente, Marina Polo, Mirele Rodrigues e Raissa Pacheco aponta que a mediação das plataformas viabiliza aprofundamento da subsunção do trabalho intelectual e reduz a autonomia do trabalhador mesmo que sob um discurso de independência destes na execução das tarefas.
Atentos à discussão entre a categorização dos trabalhadores como autônomos ou empregados, Diogo Torres, João Magalhães, Silvia Gomes e Vanessa de Souza focam no exame das condições de trabalho na plataforma digital Rappi.
Analisam o perfil majoritário dos entregadores quanto às horas semanais trabalhadas, remuneração percebida, repasse dos riscos da atividade, aplicação de bloqueios ou punições e percepção sobre o controle da plataforma e da caracterização como empregado.
Sob a perspectiva do salário por peça, Laura Gontijo estuda o trabalho em plataformas digitais.
A autora ressalta a importância da forma de remuneração para compreender a disposição dos trabalhadores em perfazer longas jornadas e suportar precárias condições laborais.
A precarização do trabalho na era digital também é objeto de reflexão de Kethury dos Santos, que denuncia as condições laborais dos entregadores por aplicativo no Distrito Federal.
A pesquisa destaca a predominância masculina, jovem e periférica em ocupações precárias, e indica a persistência de desigualdades sociais e raciais.
Ao realizar uma “entrega destinada ao Poder Legislativo”, Aline Soares observa de que modo o pleito da categoria dos entregadores por aplicativo e as respectivas condições de trabalho foram tratadas durante a pandemia de Covid-19, em termos normativos.
Entende que a organização coletiva exerce importante papel de pressionar o poder público por direitos e garantias básicas.
A partir de uma abordagem relativa às debilidades da uberização do trabalho de a subordinação do novo sujeito neoliberal, Thayuany Rodrigues apresenta resultados de pesquisa empírica sobre a experiência dos entregadores por aplicativo, que revela um quadro composto por discriminação, insegurança e riscos à saúde.
O estudo de Pedro Borges identifica a relevância dos espaços coletivos de descanso e espera de entregadores por aplicativos (points) para a mobilização e construção de consciência de classe.
Por último, com o intuito de afastar discursos infundados acerca do autogerenciamento no trabalho em plataformas digitais, Sara de Araujo observa que a tecnologia pode ser utilizada como ferramenta na manutenção do controle laboral, na medida em que permitem o controle da produtividade, ocultam a imagem patronal, desvinculam o indivíduo do processo de trabalho e investem na opacidade de dados relevantes sobre atividades exercidas.
Mais do que saber, é preciso pensar criticamente o tema e enfrentá-lo na prática da atividade social, acadêmica e jurídica, criando discursos que honrem toda a história de construção dos direitos sociais.
Esse é o convite que a mais nova edição da Laborare nos faz.
Boa leitura!.
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